domingo, 31 de outubro de 2010

Eu desisto


Por Thaís Candorim

"É isso mesmo, entreguei os pontos, não dá mais, acabou.
Essa frase soa com tanta força, não é?
Mas é verdade, eu desisti mesmo.
De um monte de coisas.
Desisti de reclamar de quem não quer aprender. Decidi me concentrar em quem quer...
E se você olhar bem direitinho, perto de você tem um monte de gente sedenta de conhecimento.
Desisti de tentar emagrecer para ser igual a todo mundo.
Resolvi ter o peso que eu devo ter, por uma questão de saúde, por uma questão de bem estar.
Só isso.
Desisti de tentar fazer com que as pessoas pensem do jeito que eu gostaria que elas pensassem.
Achei melhor buscar respeitar o outro do jeito que ele é.
Imagina se o mundo fosse feito de milhões de pessoas iguais a mim...
Ah, isso ia ser um tormento!
Desisti de procurar um emprego perfeito e apaixonante.
Achei que estava na hora de me apaixonar pelo meu trabalho e fazer dele o acontecimento mais incrível da minha vida, enquanto ele durar.
Desisti de procurar defeito nas pessoas.
Achei que estava na hora de colocar um filtro e só ver o que as pessoas têm de melhor.
Defeito todo mundo acha, quero ver achar qualidades em quem parece não tê-las.
Desisti de ter o celular mais “psico-tecno-cibernético” do mercado. Agora eu só quero um telefone, pra falar.
É muito frustrante comprar o mais novo modelo e dias depois ver que ele já foi superado. É pra isso que a indústria trabalha.
Aproveitei o gancho e apliquei o conceito também a outros produtos: relógio, computador, máquina fotográfica, carro.
Desisti de impor minha opinião sobre tudo.
Decidi que de agora em diante vou ouvir todas as opiniões, mesmo as contrárias, e vou tentar tirar proveito de cada uma delas.
É mais barato compartilhar as opiniões do que brigar pra manter só uma.
Desisti de ter tanta pressa. Tudo na vida tem seu tempo, e se não acontecer, não era pra acontecer.
Não quer dizer que eu vou “deixar a vida me levar” e parar de correr atrás do que eu acredito, mas não vou me desesperar se eu perder o vôo.
Sei lá o que vai acontecer com o avião...
Desisti de correr da chuva.
Tem coisa mais bacana que tomar banho de chuva?
Há quanto tempo você não sente aquele cheiro de terra molhada?
E se o resfriado chegar, qual o problema? Não vai ser o primeiro nem o último.
Desisti de estudar por obrigação. Agora eu faço da leitura um momento de prazer...
Cadeira confortável, pezão pra cima, um chocolate quente, minha gata ronronando do lado.
Os livros agora ficaram menores e mais fáceis, mesmo que seja a CLT ou a NBR 9004.
Desisti de buscar uma planilha de indicadores toda verdinha.
Os índices são assim mesmo, às vezes melhoram, às vezes pioram. Isso é o mundo real.
Eu não vou deixar de fazer a gestão sobre eles, mas decidi que não vou mais sofrer por isso.
Bons ou ruins eles devem gerar aprendizado e isso é o mais importante.
Desisti de trabalhar para fazer o meu sistema da qualidade ser perfeito.
Eu prefiro mantê-lo sob controle, funcionando, ajudando as pessoas, ajudando os processos, dando resultados, mesmo que aos poucos.
Com essa filosofia eu ganhei um monte de parceiros, ao invés de cultivar inimigos.
Se eu fosse você, desistia também...
Tem um monte de coisas que você faz, carrega e sente, que não precisa.
Pense nisso!!!"

Lendo este texto me identifiquei com quase tudo que ali escrito está.
Eu também estou desistindo de muitas coisas, em busca de conseguir desitir de tantas outras.
Percebi que não somos donos da verdade,e que nem sempre temos razão. Estamos em um processo de conhecimento, e muitas vezes aquilo que hoje é verdade pra nós, daqui um ano deixou de ser. Evidente que existem verdades imutáveis, mas elas estão para além de conceitos pessoais.
Na pluralidade de encontros e na diversidade de diferenças, é possível abrir mão e ceder. Já fiz isso e percebi que a vida naquele instante ficou mais leve e sob controle.
Estou desistindo de carregar fardos impostos por olhares que se dizem tudo saber e cobranças perversas com sabor de pura inveja.
Sigo cantando e buscando desistir de tudo que escraviza minha mente, ou que me torne uma pessoa amarga e maldoza, egocêntrica e orgulhosa, cruel e iracunda.
Temos o bem e o mal dentro de nós, cabe escolhermos qual deles vamos alimentar.
Karina Horst
31/10/10

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Solidão contente

Ivan Martins, editor-executivo de ÉPOCA

Ontem eu levei uma bronca da minha prima. Como leitora regular desta coluna, ela se queixou, docemente, de que eu às vezes escrevo sobre “solidão feminina” com alguma incompreensão.

Ao ler o que eu escrevo, ela disse, as pessoas podem ter a impressão de que as mulheres sozinhas estão todas desesperadas – e não é assim. Muitas mulheres estão sozinhas e estão bem. Escolhem ficar assim, mesmo tendo alternativas. Saem com um sujeito lá e outro aqui, mas acham que nenhum deles cabe na vida delas. Nessa circunstância, decidem continuar sozinhas.

Minha prima sabe do que está falando. Ela foi casada muito tempo, tem duas filhas adoráveis, ela mesma é uma mulher muito bonita, batalhadora, independente – e mora sozinha.

Ontem, enquanto a gente tomava uma taça de vinho e comia uma tortilha ruim no centro de São Paulo, ela me lembrou de uma coisa importante sobre as mulheres: o prazer que elas têm de estar com elas mesmas.

“Eu gosto de cuidar do cabelo, passar meus cremes, sentar no sofá com a cachorra nos pés e curtir a minha casa”, disse a prima. “Não preciso de mais ninguém para me sentir feliz nessas horas”.

Faz alguns anos, eu estava perdidamente apaixonado por uma moça e, para meu desespero, ela dizia e fazia coisas semelhantes ao que conta a minha prima. Gostava de deitar na banheira, de acender velas, de ficar ouvindo música ou ler. Sozinha. E eu sentia ciúme daquela felicidade sem mim, achava que era um sintoma de falta de amor.
Hoje, olhando para trás, acho que não tinha falta de amor ali. Eu é que era desesperado, inseguro, carente. Tivesse deixado a mulher em paz, com os silêncios e os sais de banho dela, e talvez tudo tivesse andado melhor do que andou.

Ontem, ao conversar com a minha prima, me voltou muito claro uma percepção que sempre me pareceu assombrosamente evidente: a riqueza da vida interior das mulheres comparada à vida interior dos homens, que é muito mais pobre.

A capacidade de estar só e de se distrair consigo mesma revela alguma densidade interior, mostra que as mulheres (mais que os homens) cultivam uma reserva de calma e uma capacidade de diálogo interno que muitos homens simplesmente desconhecem.

A maior parte dos homens parece permanentemente voltada para fora. Despeja seus conflitos interiores no mundo, alterando o que está em volta. Transforma o mundo para se distrair, para não ter de olhar para dentro, onde dói.

Talvez por essa razão a cultura masculina seja gregária, mundana, ruidosa. Realizadora, também, claro. Quantas vuvuzelas é preciso soprar para abafar o silêncio interior? Quantas catedrais para preencher o meu vazio? Quantas guerras e quantas mortes para saciar o ódio incompreensível que me consome?

A cultura feminina não é assim. Ou não era, porque o mundo, desse ponto de vista, está se tornando masculinizado. Todo mundo está fazendo barulho. Todo mundo está sublimando as dores íntimas em fanfarra externa. Homens e mulheres estão voltados para fora, tentando fervorosamente praticar a negligência pela vida interior – com apoio da publicidade.

Se todo mundo ficar em casa com os seus sentimentos, quem vai comprar todas as bugigangas, as beberagens e os serviços que o pessoal está vendendo por aí, 24 horas por dia, sete dias por semana? Tem de ser superficial e feliz. Gastando – senão a economia não anda.

Para encerrar, eu não acho que as diferenças entre homens e mulheres sejam inatas. Nós não nascemos assim. Não acredito que esteja em nossos genes. Somos ensinados a ser o que somos.

Homens saem para o mundo e o transformam, enquanto as mulheres mastigam seus sentimentos, bons e maus, e os passam adiante, na rotina da casa. Tem sido assim por gerações e só agora começa a mudar. O que virá da transformação é difícil dizer.

Mas, enquanto isso não muda, talvez seja importante não subestimar a cultura feminina. Não imaginar, por exemplo, que atrás de toda solidão há desespero. Ou que atrás de todo silêncio há tristeza ou melancolia. Pode haver escolha.

Como diz a minha prima, ficar em casa sem companhia pode ser um bom programa – desde que as pessoas gostem de si mesmas e sejam capazes de suportar os seus próprios pensamentos. Nem sempre é fácil.

* * *

(Mas finalmente, quando se aprende, é sensacional!)

Por gentileza Ivan, agradeça a sua prima por mim!
Amei ler um texto tão intensamente coerente com a mulher contemporânea, e mais, me reconhecer entre elas.
Ter alguém ao lado que valha à pena, que se encaixe bem ao nosso dia a dia é maravilhoso. Mas quando não é bem assim, estar só torna-se opcional para quem sabe se amar e já conseguiu ser sua melhor companhia feliz sozinha.
Para quem ainda não conseguiu, é mais difícil abarcar esta compreensão.
Aprendi certa vez e vejo que é certo,"ninguém é feliz com alguém enquanto não aprender ser feliz sozinho!"
Karina Horst

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A menina e os balões


Numa tarde de domingo crianças brincavam em uma praça pública. Algumas se balançavam outras corriam pra lá e pra cá, outras jogavam bola. Em meio a todas essas, havia uma menina de vestido rosa, sozinha hipnotizada olhando para o céu sorrindo.
Curiosamente, olhei e nada vi de tão especial além de alguns balões coloridos que parecia ter se soltado de algum lugar.
Olhei de volta e ela continuava lá, parada no tempo com o olhar fixo para os balões como se estivesse sido hipnotizada.
A cena era no mínimo curiosa, e deu-me uma vontade enorme de ir até aquela garotinha e perguntar o que tanto a encantava lá em cima de onde não tirava os olhos.
Ali fiquei entre um pensamento e outro, entre um ímpeto de ir até ela e outro de ficar para não incomodá-la e então, de repente ela se levantou e se foi em direção a alguém.
Tão absorta em meus pensamentos estava, que não percebi quando uma senhora chegou perto e a chamou, levando a pelas mãos a caminho da rua.
Decidi retornar para a leitura do meu livro, olhando mais uma vez para um céu que já não tinha mais o colorido daqueles balões e também não havia ali naquele lugar a alegria daquela garotinha. Imediatamente me bateu uma saudade nostálgica, e recordei da minha infância, quando com meus primos subíamos nas mangueiras da fazenda do tio Abel, para comermos manga no pé. Fechei automaticamente o livro na tentativa outra vez frustrada de retornar a leitura, e ali meu pensamento foi tomado de inúmeras lembranças felizes.
Lembrei-me dos passeios a cavalo, do dia em que um disparou comigo até sua coxia e ali empacou. Das lindas bolinhas de gude que colecionava além dos álbuns de figurinha e papéis de carta. Da Susi ciclista que ganhei de aniversário do meu tio Eudes que a colocou para andar em volta do bolo. Do mundo feliz que meu pai me deu antes de morrer e até hoje ainda guardo comigo. Dos amigos que brincávamos de pique esconde, bandeirinha, elástico, amarelinha, pingue pong, quebra-cabeças, e tantas outras brincadeiras mais. Dos retiros da igreja que não queríamos ir dormir para brincar mais. Da primeira viagem que fiz sozinha com a turma da escola, para o play Center, Cidade das crianças e Simba Safári em São Paulo. Da minha avó em Minas, atrás do porco e fazendo toucinho pra gente. E de quando ela no inverno me arrumava para escola ainda debaixo da coberta. Dos pães que ela fazia em casa, das canções que ela cantava para eu dormir.
Dos postes tortos que fui enganada a olhar para parar de chorar na estrada quando me tiraram o picolé para dar a minha prima mais nova que deixou o dela cair no chão.
De quando aprendi sozinha e em um dia a andar de patins e no dia seguinte meu braço doía tanto que parecia quebrado. De quando aprendi em Brasília a andar de bicicleta e caí em cima de uma planta de espinhos que tem muito lá. Fiquei com espinhos espalhados pelo corpo, minha mãe teve que me ajudar a tirá-los, e pra falar a verdade nem me lembro se doeu.
Boas lembranças tomaram-me de súbito os pensamentos, e retornando ao meu tempo, ainda com um esboço de sorriso nos lábios me dei conta ao olhar o relógio de que estava ali sozinha sentada naquele lugar onde já findava a luz do dia por um bom tempo.
Minhas tenras lembranças absorveram-me no espaço e no tempo e então me lembrei mais uma vez da garotinha que olhava para o céu encantada com os balões e sorri.
Karina Horst de Freitas
01/10/10 12:30h
O que meu mais que tio querido, pai do coração, me escreveu de volta...

Karina, querida, Karina.
Gosto dos teus escritos. Você tem uma alma nobre, criativa, produto da graça abençoadora de Deus. Consola antes de ser consolada, como um reflexo do amor que nos amou primeiro. Deus te abençoe mais e mais.
Senti o desejo de também escrever-te e o faço neste instante, sobre "Mais um pouco de Mim".

=== Sonhos de Karina ===
Sonhos, são lembranças encantadas da infância,
Bem vivida ou mal amada.
Sonhos, são caminhos de esperança,
roubada ainda na infância.
Sonhos, são suspiros de desejos incontidos na alma,
Que vem, às vezes de repente, em plena calma.
Sonhos, são sintomas do infinito,
Da alma silenciosa em seu grito.
Sonhos, sonhos, quantos sonhos,
Tristes, alegres ou rizonhos;
Como marcas profundas da alma em aflição,
Que se aquece, só, no coração.
Sonhos, como nuvens brancas, na amplidão;
Na tela imensa do universo;
Que pinta em frente e verso,
De azul ou de outra cor,
Nos múltiplos tons de se viver a dor.
Sonhos, que sonham todos os mortais,
Que um dia passarão, além,
Dos sonhados que ficaram antes dos portais.
Sonhos, acalentados na esperança,
Que surgem do baú de todas as lembranças;
Retratos sem parede, em preto e branco, amarelados;
Pegadas apagadas de ventos ou bonanças.
Sonhos, que tocam as rodas do tempo,
Tempo passado, ou passando,
Vivido, amado ou amando.
Sonhos, de um tempo de menina,
Pequenina, nos braços paternais
De quem um dia te chamou KARINA!
Sonhos, doces, puros, eternais !
Eudes Horst
Recife, 30 de outubro de 2010